Nota Prévia: Eu nasci, em 1961, na cidade do Porto, filho de um Carioca e de uma Coimbrã. Logo, como tenho com dupla-nacionalidade (portuguesa e brasileira), fui exercer no passado dia 30 de outubro, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, local de votação designado pelo Consulado-Geral do Brasil em Lisboa, para todos os eleitores cadastrados em Lisboa, pelas 9am, o meu direito de voto no 2° turno das eleições presidenciais.
Lula da Silva acabou por ser eleito com 50,9% dos votos e herda um país profundamente dividido e um Congresso Nacional maioritariamente de direita. Não vai ter um mandato fácil. Estou perfeitamente à vontade, porque, no domingo, não votei nem nele, nem no Bolsonaro.
Eu votei 00 (NULO).
No Lula nunca poderia votar, por motivos óbvios. Para além das razões ideológicas, também jamais votaria em alguém com cadastro, julgado e condenado em 3 instâncias judicias diferentes brasileiras.
Contudo, também, nunca poderia votar no Jair Bolsonaro e passo a explicar muito resumidamente o porquê (para mais explicações - quem tiver insónias - poderá ver o meu blog "Saravá" https://www.saravajosechilao.com/)
Resolvi escrever esta crónica pensando naqueles portugueses que tendo torcido (ou até em alguns casos recomendado o voto) pelo candidato Bolsonaro, se encontram hoje inconsoláveis... alguns deles sem nunca até terem ido alguma vez ao Brasil, o que acho fantástico!
Os motivos que eu poderia enumerar são tantos, pelo que terei que me cingir a (apenas) uma meia-duzia. A saber;
Comecemos pelo passado dia 7 de setembro, data em que se comemorava o Bicentenário da Independência do Brasil, e para o qual, inclusive, havia sido expressamente solicitado a transladação do coração de El-Rei Dom Pedro IV (Primeiro Imperador do Brasil) de Portugal e em que o Presidente Bolsonaro, para variar, misturou eventos de Estado com a campanha eleitoral.
Também não era de admirar! Bolsonaro nunca até aqui havia demonstrado qualquer sentido de Estado, porque é que iria começar logo naquele dia?
Bolsonaro começou a jornada, em Brasília, onde assistiu ao tradicional desfile militar que todos os anos celebra o dia da Independência, na Esplanada dos Ministérios, muito perto do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, mas não proferiu uma só palavra sobre a Independência cuja data era suposto comemorar. Em vez disso, optou por tecer os maiores elogios à sua mulher que o acompanhava, a quem apelidou de sua "princesa”, beijou-a na boca e aproveitou a ocasião para não poupar nas críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) com quem nos últimos tempos tinha tido uma relação, no mínimo, tensa.
Mais uma vez, todo o Brasil assistia ao presidente da república brasileiro a desconsiderar o presidente português, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa (já não era a primeira vez), colocando o chefe de Estado Luso com quem deveria ter laços históricos fraternos ao lado de um empresário que estava a ser investigado pela justiça brasileira, o presidente da Havan, Luciano Hang, o que constituiu um enxovalho diplomático para com Portugal.
Entretanto, já circulava nas redes sociais de todo o mundo a parte em que, durante o seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro puxou um coro de “imbrochável” por parte dos seus apoiantes.
Não só para mim, mas também para os especialistas, a expressão corresponde a um modelo masculino há muito ultrapassado e que tenta mostrar uma superioridade face às mulheres. Já não é a primeira vez que Bolsonaro recorria a este tipo de piadolas típicas de “machão", o que é lamentável tratando-se de um chefe de Estado!
A maioria dos portugueses, não familiarizados com o jargão não entenderam a “vulgar referência sexual” feita pelo presidente brasileiro, tendo eu explicado aqueles que me perguntaram que a palavra é um “termo de calão para designar um homem que não sofre de disfunção erétil."
Mas, continuando, Jair Bolsonaro termina o seu mandato presidencial sem nunca ter vindo a Portugal, onde reside a 2ª maior comunidade brasileira fora do Brasil. Foi, na minha opinião, um dos piores presidentes que aquele país teve.
Foi indecoroso, prepotente, não teve qualquer sentido de Estado, estava rodeado de gente muito pouco preparada e protegia os filhos que são uns desqualificados. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) comprou uma mansão avaliada em R$ 6M sem ter rendimentos correspondentes e tinha umas relações muito mal explicadas com o crime organizado do Rio de Janeiro; o deputado-federal Eduardo Bolsonaro foi proposto para embaixador do Brasil em Washington, D.C. porque "já fritou hambúrguer nos EUA", o vereador Carlos Bolsonaro esteve mais preocupado em gerir as redes sociais do pai do que no mandato na Câmara Municipal do Rio de Janeiro para o qual foi eleito e Renan Bolsonaro cobrava dinheiro para arranjar audiências com o pai...
O Brasil passou de G6 para G12 (sexta para décima maior ecónomia do mundo) e a economia continua a dar sinais de querer arrancar.
O presidente Bolsonaro foi corresponsável pela morte de 680k brasileiros de Covid-19 ao ter desvalorizado o impacto da pandemia e por ter insistido na prevenção através da prescrição da cloroquina para tratamento da SARS-CoV-2; já não esquecendo o facto da Pfizer ter enviado 53 e-mails ao governo federal oferecendo a vacina que ficaram sem qualquer resposta.
Mais, o presidente Jair Bolsonaro destruiu o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia (que levou anos a ser negociado) porque achou que era mais pertinente contar umas anedotas sobre a idade da mulher do presidente Emmanuel Macron.
O maior parceiro comercial do Brasil era a China, ora o que faz Bolsonaro? Incompatibiliza-se com a China que deixa de comprar ao Brasil optando por passar a importar da Argentina. Foi um rombo para o agro-negócio e sobretudo para a balança comercial brasileira. A taxa de desemprego aumentou exponencialmente. E no fim pergunta-se porquê? Qual foi a razão que esteve por detrás desta tomada de decisão?
Ainda que o Brasil seja o 9º maior produtor de petróleo do mundo, os combustíveis, hoje, atingem preços de venda ao público jamais imagináveis para um brasileiro pela primeira vez da história da Petrobras.
Há um ano, um senador que apoiava Bolsonaro, de nome Chico Rodrigues (DEM-RR), foi apanhado em flagrante pela Polícia Federal com maços de notas de reais, escondidos dentro das cuecas, dinheiro esse que se destinava ao combate da Covid-19 no Estado brasileiro de Roraima. Logo, quanto ao combate à corrupção estamos conversados...
Durante um pequeno-almoço com jornalistas, em 2019, o presidente da república Jair Bolsonaro disse que o Brasil não poderia ser “um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias.” Para em seguida acrescentar: “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade” ...
Maravilha! Nada como fazer apologia à exploração sexual da mulher brasileira!
Esteve em guerra institucional constante com o STF (Supremo Tribunal Federal) que funcionava como "oposição presidencial"... aliás, que utilizou um subterfúgio juridico para não só soltar Lula da Silva da prisão, em Curitiba, como também levará à prescrição de todos o processos judiciais que ainda se encontravam pendentes contra o agora presidente eleito.
Bolsonaro tinha o maior dos desprezos pela proteção do meio ambiente ou pelos direitos dos indígenas. A taxa oficial anual de desmatamento na Amazónia, calculada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, mostra um crescimento de mais de 20%, colocando em risco o próprio ecossistema brasileiro.
Finalmente, o “incidente” de julho passado, em que o presidente Bolsonaro cancelou, em cima da hora, um almoço marcado com o presidente português em Brasília (DF) alegadamente porque este iria, também, encontrar-se com Lula da Silva... e hoje percebe-se que com toda a razão!
Para mim, Marcelo Rebelo de Sousa - muitíssimo mais inteligente do que o outro - limitou-se a ser Marcelo!
Foi de propósito ao Brasil "provocar" um incidente diplomático com Jair Bolsonaro e daí tirar dividendos em termos de política externa para Portugal e o seu homologo brasileiro, que não entendeu, “caiu na armadilha” e agastou-se!
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa era filho do Dr. Baltasar Rebelo de Sousa, médico, que já havia sido ministro e governador-geral de Moçambique no tempo do Prof. Doutor António de Oliveira Salazar. Tem um doutoramento em Direito, foi Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, comentador político de televisão durante anos, director de jornal e líder do Partido Social Democrata (PSD) e é considerado por muitos o político mais inteligente e astuto da actual cena política portuguesa.
Já o presidente Jair Messias Bolsonaro, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras, tendo saído do exército brasileiro com a patente de capitão envolto num escândalo, depois de um processo em que foi julgado em Tribunal Militar por insubordinação. Pertenceu a sete (7) partidos diferentes e foi deputado-federal, no Congresso brasileiro, eleito sempre pelo Estado do Rio de Janeiro de 1991 a 2018.
Quarenta horas após resultado, Bolsonaro mantém um estranho silêncio sobre vitória de Lula da Silva na eleição.
Tradicionalmente, os candidatos derrotados fazem uma declaração pública sobre o resultado da eleição e costumam telefonar ao adversário vencedor.... e até agora de Bolsonaro nada!
Post Scriptum: Dois dias após perder a eleição, o ainda presidente e candidato derrotado, Jair Bolsonaro fez uma curta declaração, com uma duração de cerca de dois minutos, na qual básicamente agradeceu os votos que recebeu e não citou uma única vez o presidente eleito, Lula da Silva. Aproveitou a ocasião para criticar as atitudes daqueles dos seus apoiantes que, desde domindo tem, invadido propriedades privadas ou feito bloqueio a várias vias de comunicação por todo o Brasil. Terminou, garantindo ao país, que irá cumprir com os preceitos constitucionais.