Um amigo meu, à laia de provocação, recordou-me que para além do 9/11 nos EUA, nós, os portugueses, “também temos o 11 set 74”...
Ora, salvo o devido respeito, tal não quer dizer que este dia de 1974 seja, para mim, uma data que deva ser celebrada ou que mereça até ser recordada. Vou dar a minha versão dos factos, porque testemunhei alguns deles. A saber;
O dia 11 de Setembro de 1974, a “maioria silenciosa” também conhecida pela “inventona”, é a designação por que ficou conhecido em Portugal o "putsch" pelo qual alguns sectores de esquerda da sociedade portuguesa, civil e militar, que a pretexto de uma manifestação organizada, para o dia 28 de Setembro de 1974, de apoio ao então Presidente da República, General Spínola, tomaram de assalto o poder e deram inicio aquilo que ficará para sempre conhecido por PREC, com o intuito de instalar em Portugal um regime comunista.
Ficarei para sempre "traumatizado" pelas nacionalizações da banca e das seguradoras, pelas ocupações selvagens, pela reforma agrária, pelos trabalhadores rurais organizados em cooperativas ou Unidades Colectivas de Produção, pelas empresas geridas por Comissões de Trabalhadores (que faliram todas), pelas espingardas de combate G3’s distribuídas a milícias civis e por aí vai... foi um "forrobodó" aquele que viria a suceder em 1975 como é, hoje, do conhecimento geral!
Mas, a tal manifestação da dita “maioria silenciosa”, contaria com o apoio de partidos como o PP/MFP, PDC (liderado por um grande amigo e Capitão de Abril, o Major Sanches Osório) e PL, e tendo entre outros, na comissão organizadora, pessoas como António Sousa Macedo, Manuel Sá Coutinho, Francisco de Bragança van Uden e António da Costa Félix e presidida por Fernando José Pereira Marques Cavaleiro, na sequência de contactos entre o Tenente-coronel António Figueiredo e o general Kaúlza de Arriaga.
De sublinhar que Governo Civil de Lisboa de então havia autorizado esta manifestação.
Na tarde de 26 tem lugar o Concurso Hípico Internacional de Lisboa em que o General Spínola recebe um cartaz da tal “maioria silenciosa” entre os aplausos do público presente. Nessa ocasião, o general Galvão de Melo (então membro do Comissão Coordenadora do MFA), trajado de cavaleiro, declara o seu apoio à manifestação. Passados dois dias, estando o general Spínola, na condição de chefe de Estado, numa corrida de touros no Campo Pequeno, será a vez do cavaleiro tauromáquico, o Conde de Pavullo, José João Zoio (outro grande e saudoso amigo meu) a fazer o mesmo.
No dia 27, o graduado em Brigadeiro, Otelo Saraiva de Carvalho do COPCON (esse sim, que já esteve a contas com a justiça, graças ao seu envolvimento nas Brigadas 25 de Abril) e o Ministro da Defesa, general Mário Firmino Miguel reagem, com o conhecimento do general Costa Gomes.
O brigadeiro Otelo monta uma operação visando a prisão de antigos membros da Legião Portuguesa, de opositores políticos ao PCP e também das pessoas ligadas à preparação da manifestação (não percebo aqui qual foi a lógica a não ser a de fazer uma "limpeza da concorrência").
NA: Nesse dia, de manhã, estava eu, no Colégio Valsassina, a ter aula da disciplina de Geografia com o meu professor, o Coronel Ireneu Mota, ex-segundo Comandante da Legião Portuguesa, quando um oficial e dois praças do COPCON irromperam pela sala de aula e prenderam-no mesmo à minha frente. Tinha eu 14 anos!
O ministro da Comunicação Social leu então um comunicado do Governo Provisório na Emissora Nacional, que passou a ser emitido de meia em meia hora. A manifestação é interdita pelo Movimento das Forças Armadas. Os partidos políticos de esquerda distribuem, entretanto, comunicados apelando “à vigilância popular” e denunciam "as tentativas contra revolucionárias dessa minoria tenebrosa".
São levantadas barricadas populares nos acessos a Lisboa (lembro-me muito bem de ter passado naquela que estava levantada, à data, nas Portas de Benfica, no regresso a casa, na Ericeira) e noutras localidades. Durante a noite, grupos de militares tomam o lugar dos activistas civis. São detidas várias figuras políticas afectas ao velho regime e alguns manifestantes.
Em consequência disso, a Comissão Coordenadora do MFA impõe a demissão dos três generais mais conservadores do grupo, a saber, general Galvão de Melo, general Manuel Diogo Neto e general Jaime Silvério Marques. Fica, pois, a Comissão reduzida a somente a "esquerdistas"!
Isolado politicamente, António de Spínola demite-se, a 30 de Setembro, do cargo de Presidente da República, tendo sido substituído pelo general Costa Gomes, alguém que perfilhava de ideias comunistas e com grande proximidade à então URSS.
Com a “vitória sobre a reacção” e a "derrota da direita", declaradas pelo então primeiro-ministro, brigadeiro Vasco Gonçalves, começa aquilo que ficará infamemente conhecido por PREC...
Foto de Alfredo Cunha (1975)