OS VALORES HUMANITÁRIOS NÃO VARIAM EM FUNÇÃO DO TEMPO NEM DO ESPAÇO 

Quando, há três dias, os Estados Unidos anunciaram ter morto o líder da Al-Qaeda, Sheik Ayman al-Zawahiri, numa operação antiterrorista "bem-sucedida" no Afeganistão durante o último fim de semana, houve quem ficasse chocado. Como é que aqueles "cowboys" se atreveram...

De acordo com a BBC, um porta-voz dos Taliban confirmou que uma zona residencial de Cabul tinha sofrido um ataque de um drone norte-americano no passado domingo.

Só para recordar, o Sheik Ayman Mohammed Rabie al-Zawahiri, até agora líder da Al-Qaeda, tinha 71 anos, era um médico pediatra e terrorista egípcio que supervisionou os ataques do 11 de setembro de 2001, os quais vitimaram milhares de pessoas nos Estados Unidos da América.

Provavelmente por eu ser lerdo, não entendi do porquê de certos jornalistas, nas televisões portuguesas, terem por várias vezes perguntado aos seus comentadores se não consideravam grave “esta agressão norte-americana em solo afegão?”. Mais, se não era "um incumprimento unilateral dos acordos, celebrados há cerca de um ano, aquando da retirada (vergonhosa) das forças americanas do território afegão?"

Fico estupefacto... et ça c'est pour dire la moindre des choses! 

A Alta-Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, afirmou que tem vindo a receber inúmeros relatos de violações graves cometidas pelos Taliban no Afeganistão, incluindo execuções sumárias de civis, restrições à liberdade das mulheres e protestos.

Restringindo esta minha análise à condição da mulher afegã, o que se verifica é que os Talibans, desde que regressaram ao poder, a 15 de Agosto de 2021, estão a cometer graves violações dos direitos humanos, particularmente contra as mulheres e as jovens, obrigando-as novamente ao uso da burka, afastando-as da vida pública, negando-lhes educação, emprego e vida social. Mais, tem vindo a dificultar às mulheres afegãs a obtenção de cuidados de saúde, tornando-as completamente dependentes dos membros da família do sexo masculino e impedindo-as de escapar caso sofram abusos nas suas casas.

Recordo que, nos anos 60 do século passado, o Afeganistão era um país em tudo equivalente ocidentais, em que mulheres também tinham praticamente os mesmos direitos dos homens. Bastará para tanto lembrar que antes da era Taliban (1996) as mulheres afegãs eram livres e representavam cerca de 70% dos professores no País; 50% dos funcionários públicos e universitários; e 15% do poder legislativo.

Já em 2022, o porta-voz do Ministério para a Promoçãoda Virtude e da Prevenção do Vício, Sadeq Akif Muhajir, em declarações à Agência France Presse (AFP) anunciava que "as mulheres que viajem mais de 45 milhas [cerca de 72 quilómetros] não podem se deslocar se não forem acompanhadas por um parente próximo", especificando que esse "parente próximo" terá de ser obrigatoriamente um homem.

O mundo está a assistir – passivamente – a um gigantesco retrocesso civilizacional, traduzido na retirada, ou melhor, na anulação dos direitos da mulher afegã.

Durante os 20 anos (2001-2021) que durou a intervenção militar ocidental no Afeganistão, mal ou bem, Portugal fez deslocar para o Afeganistão um efetivo de cerca de 4.500 (quatro mil e quinhentos) militares portugueses, numa missão classificada pela NATO com grau de ameaça "alto".

Agora, para mim, como pai de uma jovem mulher de 29 anos, de longe, o mais confrangedor é este silêncio ensurdecedor da nossa sociedade civil, particularmente aquele que as esquerdas manifestam! Preferem preocupar-se com uma eventual (muito pouco provável) reeleição do Bolsonaro como presidente do Brasil, a se preocuparem com conceitos complicados como os de “sororidade”, "direitos das mulheres” ou simplesmente “direitos humanos” da mulher afegã!?

Mas, aquilo que me deixa mais desiludo é que este princípio do “pacta sunt servanda”, segundo estes humanistas de fim-de-semana, que é só para se aplicar a nós, os ocidentais, mas, nunca aos outros... que ficam logo excluídos à partida, por questões “culturais”...
 
Na sua infinita e secular sabedoria popular, lá diz o provérbio “não faças aos outros aquilo que não gostavas que te fizessem a ti

Assim, em nome do binômio liberdade-responsabilidade, conceitos indissociáveis em Sartre, podemos inferir, a exigência consequente para que tenhamos uma conduta ética e coerente! Não podemos ter (e bem) na União Europeia a defesa de direitos fundamentais e não fazer ouvir a nossa voz e a nossa censura quando é "lá longe” numa qualquer república teocrática.

Os Valores Humanitários pelos quais nós, os europeus, nos pautamos são universais e são imutáveis, logo não variam em função nem do tempo, nem do espaço.

Fotografia (Reuters): Taliban chicoteia, em público, uma mulher afegã condenada por adultério num tribunal islâmico de acordo com a Sharia, na província de Ghor, Afeganistão (2021).