Quem me conhece sabe que este é um tema recorrente em mim. O português venera o "chico-esperto”, aquele que consegue engendrar um esquema qualquer para enganar o sistema. Talvez por isso é que persistimos em permanecer (há decadas) na “cauda da Europa” de tão “espertos” que somos...
Em qualquer país civilizado este “espécimen” é censurado, e muito bem acrescente-se, porque, com as suas atitudes, prejudica o interesse colectivo, o bem estar do grupo, é intrinsecamente egoísta e só pensa em si. No fundo despreza o seu semelhante!
Mas por cá, estranhamente, ao contrário daquilo que seria normal, é admirado! Somos muito estranhos...
É aquele que “sabe como fazer para não ter que pagar impostos”, mas que depois vem a exigir mais beneficios do Estado, porque no fim de contas “somos nós que lhes pagamos os ordenados” ou “o que eles querem todos é “tacho”" ou ainda o “cromo” que nunca estudou para os exames, porque copiava sempre pelo “marrão” da turma; mas é, hoje, aquele que estaciona em 2ª ou até em 3ª fila, interrompendo o tráfego todo, porque ou "está a trabalhar” ou porque “são só cinco minutinhos”, ou então passa na frente da fila, duma qualquer Repartição das Finanças, com dezenas de pessoas, que esperam há horas, porque vai "só fazer uma perguntinha”, ou que aquela que está a "beneficiar de subsidio de desemprego" porque não está para "aceitar um emprego a troco de um salário minimo nacional", não cuidando que são aqueles que estão a trabalhar que lhe estão a "pagar" o subsidio...
Este é aquele que diz, ufano para quem o quer ouvir que “o mundo é dos espertos”...
É o que ensina ao filho a “marcar” lugares na Time Out para a família (pai, mãe, sogros, cunhados que vieram da terra e mais o Jorge lá do trabalho que até é bom rapaz, mas e está que está agora a separar-se da mulher porque ela "bazou" com o PT... mas, isso, agora, são "outros quinhentos") e quem vier com os tabuleiros que "s'a lixe e q'a coma d' pé"...
São aqueles que deixam a sogra, a Dona Albertina, a marcar o lugar no estacionamento do IKEA de Alfragide, enquanto vão dar a volta ao piso -2 com o seu Opel Corsa 1.2 xuning, termo vulgarmente utilizado para referir todas as aberrações e falta de gosto nos carros modificados e que levam piorar o aspecto estético do veículo mais do que seria humamanamente permitido.
Mas, contraditoriamente, continuamos a ser os eternos “otários” que, na ânsia de mostrar a quem nos vista que até nos desenrascamos no “portinhol”, falamos, no mínimo, três ou quatro línguas estrangeiras... tamanha subserviência bacoca nunca vi igual em mais parte nenhuma do mundo que visitei.
Adoraria ter encontrado, por exemplo (e vamos excluir, à partida, empregados de mesa portugueses ou de qualquer outro país da CPLP) qual é o restaurante em Paris, em Bruxelas ou em Genève que apresenta um menu ou atende os clientes em português. Hélas, non...
NB: De acordo com a UNESCO '22 o português é a sexta língua mais falada do mundo, com cerca 250M de utilizadores como língua materna, ao passo que o francês se fica por uma modesta décima-sétima posição, não chegando sequer aos 80M de utilizadores como língua primeira língua...
Contudo, é ouvi-los na Comporta ou em Cascais e até chegamos por momentos a temer que os exércitos de Vercingetórix nunca foram derrotados em Alésia...
Em conclusão, seria talvez mais útil um pouco mais de orgulho nacional e se soubessem antes declamar de cor o "Poema em Linha Recta" do que indicar, em inglês, o caminho para o Cabo Espichel...
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes- na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse queuma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores semtitubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”
Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática. 1944 (imp.1993). p. 312.
Seria, por isso, muito mais interessante que deixássemos de traduzir “honi soit qui mal y pense” por “eu não sou quem o senhor pensa”... e parássemos, uma vez por todas, de pensar que isto de sermos “chicos-espertos” nos beneficia, para, em vez de isso, passarmos a ter um pouco mais de orgulho e autoestima na nossa cultura e em quem nós somos.