"O BRASILEIRO É UM FERIADO."

Nelson Rodrigues

Uma pequena nota prévia, só para afirmar, e quem me conhece sabe que assim é, que repudio qualquer tipo de discriminação, seja por raça, género, orientação sexual, religião, ideologia, origem étnica e/ou diversidade funcional. A minha linha vermelha só é traçada perante a intolerância e a estupidez. Afinal, sou humano e todos nós temos os nossos limites!

Que nós, portugueses, tínhamos um Presidente da República, o Senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, que discorre desde os resultados da última jornada da Premier League, passando pela macroeconomia, na versão simplificada do modelo keynesiano, para terminar nas técnicas da apanha da Maçã de Alcobaça, já todos o sabíamos! Mas, agora, que também era versado em psicologia social, deixou-me, ontem, completamente “bouche bée”...

O Senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa garantiu, ontem, que "não há alergia à comunidade brasileira" em Portugal, numa tentativa de aplacar as críticas vindas do Brasil em relação ao caso de racismo que envolveu, esta semana, um casal de actores brasileiros e seus filhos num restaurante na Costa da Caparica. A declaração surge também quando em Portugal a Lei da Imigração suscitou, como estamos todos estamos recordados, alguma tensão no Parlamento.

Um vídeo que circula por aí nas redes sociais mostra a atriz brasileira Giovanna Ewbank a gritar: “Racista nojenta” a uma mulher que está sentada e que momentos antes teria alegadamente entrado no restaurante com o único intuito de insultar os filhos da actriz, casada com o também actor Bruno Gagliasso e um grupo de cidadãos angolanos que ali se encontravam a almoçar. “Pretos imundos”, “voltem para África”, “voltem para o Brasil”, “Portugal não é lugar para vocês”, terão sido alguns dos impropérios e das injurias proferidas, segundo testemunhas no local. Uma vez que, até ao momento, ainda não consegui visionar qualquer registo em vídeo desses eventos... se é que existe!?

Rapidamente o caso (para variar) ganhou dimensões gigantescas no Brasil e, por simpatia, muito por causa das redes sociais, o mesmo está a acontecer aqui em Portugal. A Giovanna Ewbank e o Bruno Gagliasso são dois atores brasileiros famosos, conhecidos pelas suas participações na telenovela “Malhação” e aparentemente já apresentaram queixa à Guarda Nacional Republicana. Agora, o caso irá ser investigado pelas autoridades competentes e seguirá os ulteriores trâmites legais.

Aproveito, entretanto, para esclarecer, que o crime pelo qual há queixa apresentada é o de discriminação racial. No entanto, como no momento da detenção, a dita da senhora também proferiu injurias aos militares da GNR, acabou também por ser detida pelo crime de injúria, agravado pelo facto de se tratarem de agentes de autoridade, levará a que neste caso, a dita arrisque uma pena de prisão que poderá ir até quatro meses e meio ou pena de multa até 180 dias.

Tivemos logo Luís Inácio Lula da Silva, antigo presidente da República Federativa do Brasil e actual candidato às eleições presidenciais brasileiras de outubro de 2022, a vir demonstrar a sua “solidariedade” aos actores brasileiros, à sua família, mas “também aos turistas angolanos”. “Nenhuma mãe ou pai merece ver seus filhos sendo vítimas de xingamentos racistas”, escreveu na sua conta de Twitter, apelando: “Vamos construir um mundo sem racismo”.

Já os jornais brasileiros têm dado (muitíssimo) destaque a este caso, mas também a outros aqui passados na “Terrinha” - como os brasileiros, “carinhosamente”, se costumam referir a Portugal. Por exemplo, já depois deste episódio com o casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, o jornal brasileiro “O Globo” publicou uma reportagem sobre racismo nas salas de aula em Portugal, cujo título, esse, era bem elucidativo; “Em Portugal, professora revela cotidiano de racismo em sala de aula: “Gosto de pretos. Até tenho um!”

Do meu lado, enquanto brasileiro, dou Graças a Deus, pela edição de 2022 do Global Peace Index considerar, num total de 163 países que o Brasil seja o 130º mais seguro do mundo (tendo-se classificado logo a seguir aos Estados Unidos da América que ficou em 129º), enquanto que Portugal se quedou este ano num “humilhante” 6º lugar; também o Brasil é o país com a maior quantidade de registos de crimes homofóbicos do mundo, mas isso agora também não importa nada! em criança sempre me questionei porque é que os meus parentes brasileiros contavam anedotas xenófobas sobre os portugueses e depois riam-se alarvemente (é só procurar no YouTube: Jô Soares, Matheus Ceará, Afonso Padilha ou Ari Toledo); porque será que ainda hoje todo o estrangeiro para os brasileiros é um “gringo”...; duma forma geral (odeio generalizar) os venezuelanos e argentinos não são lá muito bem vistos pela “generalidade” dos brasileiros.; last but not the list, quase todos os brasileiros tratam os portugueses por “tugas”, mas odeiam (estou a falar muito a sério) quando estes os tratam por “zucas”...

Nelson Rodrigues (1912-1980) foi um escritor, jornalista, romancista e seguramente o mais influente dramaturgo brasileiro. Certo dia escreveu “Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.”

Quem sou eu para desdizer o Mestre?!