Macau situa-se numa península, na costa sul da República Popular China, separada de Hong Kong pelo delta do rio das Pérolas e que foi um território português desde 1557 até 1999.
Mas, para mim, Macau significa sobretudo duas coisas, que me perdoem os meus inúmeros amigos que por lá viveram. A saber; a primeira é que o ditado do “quem dá e torna a tirar ao inferno vai parar” não se aplica em Relações Internacionais, ou pelo menos, não se aplica aos chineses e a segunda é que apesar de termos lá estado quase 450 anos, menos de 4% da sua população falava português... essa é que é essa!
Quaisquer que sejam os eventos precisos que levaram ao seu estabelecimento, ao contrário de outras províncias ultramarinas portuguesas, a fundação de Macau por parte dos Portugueses foi em grande parte graças ao entreposto comercial ali criado e à obra dos missionários católicos e não propriamente por patrocínio directo da Coroa portuguesa. É por causa deste último facto que Macau não se tornou uma colónia oficial portuguesa até ao início do século XVII.
O porto de Macau era pequeno, cobria 5 km² em expansão, no entanto acabou por se tornar o mais populoso e bem-sucedido de todos os portos portugueses na Ásia Oriental.
De notar que, em 1601, Macau tinha apenas 600 homens portugueses, entre mercadores, soldados e marinheiros, muitos dos quais até estariam apenas em trânsito. Já em 1669 havia mais de 300 homens casados que eram colonos portugueses permanentes. Muitos destes colonos vieram de outras colónias, especialmente da Índia portuguesa.
À medida que o Império de Portugal crescia, crescia também a sua rede comercial. Na Ásia, as especiarias e outras mercadorias eram trocadas por ouro, prata, tecidos finos e arroz. Navios portugueses, licenciados pela Coroa, transferiam as suas mercadorias de Lisboa, Goa e Cochim para Macau. Para além deste comércio intercontinental, a sua presença em Macau permitiu aos portugueses participarem no lucrativo comércio do Sudeste Asiático que se realizava entre a China, o Japão, a Malásia e a Indonésia.
Uma presença comercial portuguesa permanente foi estabelecida em Nagasaki, no Japão, e todos os anos, entre 1555 e 1618, um único grande cargueiro, o "Grande Navio", navegava de Macau para o Japão (vindo de Goa). De 1619 a 1639 este único navio terá sido substituído por uma frota de navios menores. Os grandes cargueiros que faziam a rota entre Macau e Nagasaki tinham pilotos chineses, mas transportavam mercadorias para armadores portugueses que surgem nas telas japonesas da época.
Navios comerciais navegavam regularmente das Ilhas das Especiarias (Molucas) na Indonésia para Macau, de Goa para Macau e de Macau para a Indonésia, Sião e Timor. Macau criou laços comerciais fortes com Manila nas Filipinas, um comércio que atingirá o seu auge no século XVIII. Desta forma, mercadorias com alta rendabilidade económica cruzaram os oceanos como seda crua e tecidos de seda (da China), noz-moscada e cravo (Ilhas das Especiarias), sândalo (Timor), laca (Pegu/Bago em Myanmar), prata, telas pintadas, quimonos e espadas (Japão), tecido de algodão, pimenta e marfim (Índia), canela (Ceilão) e diamantes (Bornéu).
Macau detinha quase todo o monopólio de alguns bens como a pimenta para o mercado chinês e o transporte do sândalo de Timor. Em sentido inverso, Macau enviava para Goa e para Lisboa mercadorias como a porcelana Ming, a madrepérola, pérolas, almíscar, ouro, chá e várias raízes e ervas da China que eram consideradas medicamentos raros para a época.
Contudo, a partir do século XVII, os britânicos e os holandeses começam-se a interessar-se activamente pelo Leste Asiático e a desafiar a hegemonia portuguesa no monopólio comercial. Ambos os países formaram empresas comerciais altamente eficientes. Em 1601, os portugueses apreenderam navios holandeses em Tidore nas Ilhas das Especiarias e em Macau e executaram as suas tripulações. Isto, não só tornou os seus rivais europeus mais determinados, como também deu pretexto a uma declarações de guerra.
Como consequência e após operações militares bem-sucedidas, os holandeses assumiram o controlo directo das Ilhas das Especiarias no final do século XVI e atacaram Macau em 1622 e em 1626, causando sérios problemas em todo o Império Português. Os holandeses acabaram por conquistar Malaca (1641), Colombo (1656) e Cochim (1663). Assim, só Macau e Timor acabariam por permanecer sob domínio português no leste da Ásia até ao século XX.
Mas, após esta minha divagação histórica, gostaria, agora, de me focar nesta fotografia que tirei, em 2005, nos Jardins da Fundação Oriente, à gruta de Camões.
Recordei os ensinamentos do meu bom mestre, Dr. Pinto da Silva, quando frequentava as suas aulas de português, no 5º ano do liceu, no Colégio Valsassina, em que o magíster nos ensinava que, segundo reza a lenda, terá havido uma jovem chinesa de nome Tin Nam Men, a doce “Dinamene”, por quem Camões se havia apaixonado. Contudo durante uma viagem marítima, foram surpreendidos por uma forte tempestade que fez com que o navio se afundasse. No meio das ondas furiosas, Camões viu-se perante um dilema, por um lado a sua amada que se debatia, prestes a afogar-se e pelo outro o manuscrito da obra (os “Lusíadas”) à qual dedicara anos a fio. Com coração seguramente despedaçado opta por salvar a nado o manuscrito e mais tarde compor este belo soneto de amor, mas simultaneamente de tristeza pelo perecimento injusto e prematuro da bela Tin Nam Men;
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.”
Soneto XIX - Alma minha gentil, que te partiste - Luís Vaz de Camões
Mas, para variar divago (deve ser seguramente da idade), assim, ensinaram-me, no liceu que grande parte dos “Lusíadas” teria sido escrita numa gruta, em Macau, onde Luís Vaz de Camões haveria de se refugiar para escrever, com toda a alma e toda a saudade de português, injustamente privado da pátria, aqueles versos que seriam o maior de todos os seus tesouros e os únicos companheiros do seu infortúnio....
Obvio, mal cheguei a Macau quis ir ver a tal da gruta onde Luís Vaz tantas vezes se recolhera. Eis, pois, aqui a prova...
Nesta gruta??? Mas qual gruta? Isto quando muito é um dólmen! Não quero parecer ingrato ao bom do meu professor do Colégio Valsassina, mas haja limites para tanta fabulação!
___
Foto: “Gruta de Camões”, Jardins da Fundação Oriente, Macau by José Góis Chilão (2005)