No dia passado 14 de setembro, Mahsa Amini, uma jovem iraniana de 22 anos, foi presa pela polícia de costumes, em Teerão, República Islâmica do Irão, por não estar a usar o hijab, obrigatório em público. Ela morre, entretanto, sob custódia policial, três dias depois, com as autoridades iranianas a alegar que ela sofrera "um ataque cardíaco". Testemunhas oculares, no entanto, relataram ter visto a polícia a espancá-la, o que muitos acreditam ter sido o motivo de ela, horas mais tarde, ter entrado em coma.
Porém a sua família vem a confirmar que Mahsa nunca havia sofrido de nenhum problema de foro cardíaco e o pai, Amjad Amini, alega que lhe foi negado o direito de visionar as imagens da prisão da filha. “Pedi que me mostrassem as imagens das câmeras do segurança e eles disseram-me que estavam avariadas”, disse ele à BBC. Também lhe foi proibido ver o corpo da sua filha Mahsa, que havia sido enrolado num lençol quando lho apresentaram, embora ele afirme ter notado hematomas muito suspeitos nos pés dela.
Contudo, numa declaração anterior por parte do diretor-geral do Departamento de Medicina Forense na Província de Teerão, aquele havia afirmado que “não havia quaisquer sinais de ferimentos na cabeça e no rosto, hematomas ao redor dos olhos ou fraturas na base do crânio de Mahsa Amini”.
São casos como este, em que eu faço meu mantra que “a tolerância tem por limite a estupidez”.
São situações como esta que devem ser denunciadas e combatidas com todos os meios ao nosso alcance! A Europa não pode nem deve ficar indiferente!
Numerosas organizações de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional, pediram mais escrutínio, mas o presidente Iraniano Ebrahim Raisi foi declarar, na Assembleia Geral da ONU, há apenas dois dias, a 22 de setembro pp, que “se a sua morte foi devida a negligência, definitivamente será investigada”.
Seguramente por mera coincidência, nesse mesmo dia, o presidente Ebrahim Raisi, que havia condenado os manifestantes iranianos a favor de Masha Amini pelos seus “actos de caos”, cancelou uma entrevista há muito agendada com Christiane Amanpour, jornalista britânica da CNN, de ascendência iraniana, depois de ela se ter recusado a seu pedido (de última hora) para que usasse o hijab.
Logo houve quem duvidasse da versão oficial, e um pouco por toda a parte, manifestações começaram a surgir, primeiro na província do Curdistão, a 17 de setembro, após o funeral de Mahsa e rapidamente se espalharam, qual rastilho, por todo o Irão.
Os protestos são impressionantes pela sua natureza marcadamente feminista, com vários clipes de cidadãs iranianas queimando publicamente os seus hijabs e tornando-se virais nas redes sociais. Enquanto isso, vg no TikTok, as utilizadoras postam vídeos de si mesmas a cortar o cabelo como um acto de desafio ao regime teocrático.
Repete-se aquilo que já havia acontecido, em 2019, quando cerca de 200.000 pessoas saíram às ruas iranianas em resposta a uma crise de combustível, o governo iraniano respondeu com uma repressão brutal, mobilizando forças policiais armadas com armas de fogo, canhões de água e cassetetes. A energia elétrica foi cortada em Teerão à noite para desencorajar reuniões, enquanto o serviço móvel e o acesso sem fio foram interrompidos. Plataformas como WhatsApp e Instagram também foram bloqueadas.
Acredita-se que (pelo menos) 36 pessoas morreram nos protestos até agora, com manifestantes saindo, em solidariedade, às ruas de outras capitais de outros países muçulmanos, como é o caso de Istambul ou de Beirute.
Mas contextualizando, como se chegou até aqui, a estes níveis de repressão em Teerão? A Revolução Islâmica Xiita iniciou-se, em 1979, e substituiu a monarquia secular do Xá Reza Pahlavi por uma teocracia liderada pelo Ayatollah Ruhollah Khomeini, que se encontrava exilado em França por ter sido expulso do Iraque em 1978, regressou ao seu país duas semanas depois e foi recebido em apoteose. Aclamado como Líder Supremo, confirmou a sua autoridade e tomou de imediato as medidas conducentes à implementação de um Estado Clerical, a uma república Islâmica. Aboliu o regime parlamentarista e ordenou a formação de uma Assembleia por forma a elaborar uma Constituição Islâmica. Os delegados projetaram um Estado em que Khomeini fosse o Líder Absoluto e que o Clero passasse a governar o país de acordo com a Sharia.
As causas subjacentes continuam a ser objeto de acalorados debates académicos, mas a doutrina predominante acredita que a República Islâmica, que hoje existe no Irão, tenha tido origem como reação ultraconservadora em oposição aos esforços de ocidentalização, modernização e secularização do Xá apoiado pelo Ocidente (sobretudo pelos Estados Unidos da América) bem como de uma reação mais popular à injustiça social e outras iniquidades do “ancien regime”, nomeadamente corrupção, nepotismo, favorecimento, fome, pobreza extrema, etc.
O Ayatollah Ruhollah Khomeini, líder da revolução iraniana, ganhou destaque político pela primeira vez em 1963, quando liderou a oposição ao Xá e propôs uma programa de reformas conhecido como "Revolução Branca", que visava, entre outras medidas, o parcelamento de grandes propriedades por alguns Clérigos Xiitas, permitir que as mulheres votassem e que certas minorias religiosas ocupassem cargos políticos e, finalmente, conceder às mulheres iranianas (na altura persas) igualdade jurídica em questões conjugais.
Khomeini declarou que o Xá (que professava o Zoroastrismo) havia "iniciado na destruição do Islão na Pérsia" e denunciou publicamente o Xá como sendo um "homem miserável e sem caracter". Após a prisão de Khomeini, a 5 de junho de 1963, seguiram-se três dias de grandes tumultos que eclodiram em todo a Pérsia, com seus apoiantes alegando que 15.000 foram mortos pelas forças de segurança do regime.
Quando o Ayatollah Khomeini foi detido, mantiveram-no em prisão domiciliária por 8 meses. Contudo, após sua libertação, ele persistiu em continuar a liderar de oposição ao Xá, condenando a estreita cooperação do regime Imperial do Xá com Israel e as contantes “cedências” ao governo norte-americano na Pérsia.
Em novembro de 1964, Khomeini foi novamente preso e desta feita enviado para o exílio, onde permanecerá durante 14 anos até ao eclodir da revolução islâmica, que também mudará o nome do país de Pérsia para Irão.
Retomando os primeiros tempos da implementação da Revolução Islâmica, em 1979, logo a seguir à fuga do Xá para o exilio, segue-se um período de "calma descontente".
Apesar da repressão política, do renascimento do fundamentalismo islâmico que minar a ideia de “ocidentalização como progresso”, penso aliás essa a “pedra de toque” que esteve na base do regime secular do Xá formando a ideologia da revolução.
Logo, surgem ideólogo islâmicos como Jalal Al-e-Ahmad de Gharbzadegi que a disseram que a “cultura ocidental era uma praga ou uma intoxicação a ser eliminada”; ou então de sociólogos como Ali Shariati que na altura viam o "Islão como o verdadeiro libertador do Terceiro Mundo do colonialismo opressivo, do neocolonialismo e do capitalismo”.
Mas, mais importante que tudo, foi o Ayatollah Ruhollah Khomeini que pregou que "a revolta, e especialmente o martírio, contra a injustiça e a tirania faziam parte do islamismo xiita, e que os muçulmanos deveriam rejeitar a influência do capitalismo e do comunismo” ou o seu slogan "Nem Oriente, nem Ocidente - República Islâmica!"
Para substituir o regime do Xá, Ayatollah Ruhollah Khomeini criou a chamada ideologia do velayat-e faqih (tutela do jurista) como governo, postulando que os muçulmanos – na verdade todos – exigiam “tutela”, na forma de governo ou supervisão do grupo de teólogos versados na Sharia. Tal regra protegeria o Islão do desvio da Sharia tradicional e, ao fazê-lo, eliminaria a pobreza, a injustiça e a "pilhagem" de terras muçulmanas por descrentes estrangeiros.
Estabelecer e obedecer a este governo islâmico foi "realmente uma expressão de obediência a Deus", em última análise, "mais necessário até do que oração e jejum" no Islão e um mandamento para todo o mundo, não confinado ao Irão.
O problema, como vemos hoje, é que 43 anos volvidos, entre a fome e a miséria que continua a assolar o país e o negacionismo da classe teocrática dirigente, não só a mulher não ganhou novo papel na sociedade iraniana como prometera um dia Ayatollah Khomeini quando queria derrubar o Xá, como até existe uma polícia de costumes que mata jovens mulheres por não usarem convenientemente o hijab!?
Assim, em nome do activismo pelos direitos das mulheres de Simone de Beauvoir que mais do que servir de modelo e de influência aos movimentos feministas posteriores é um dos pilares da União Europeia, exige-se que a Europa interfira e que nós, seus cidadãos, tenhamos uma postura consequente por forma exigir dos outros também uma conduta ética e coerente!
Não podemos ter (e bem) na União Europeia a defesa de direitos fundamentais e não fazer ouvir a nossa voz e a nossa censura quando é “lá longe” numa qualquer república teocrática.
Como um dia disse e bem Simone de Beauvoir “Não se pode escrever nada com indiferença.”