EM LAGO DE PIRANHA JACARÉ NADA DE COSTAS  

Ditado brasileiro que significa que quando há perigo, os cuidados devem ser redobrados  

Uma das consequências óbvias da abertura das fronteiras de Portugal, de par em par,  aos países da CPLP,  por forma a colmatar as carências de falta de mão de obra, para tentar contrariar o envelhecimento da população e - mais grave - como o nosso país, de há 40 anos a esta parte, persiste em não querer superar os sucessivos ciclos de endividamento - vai ser o choque cultural. 

Estou perfeitamente consciente (e falo de experiência feita) que o português se adapta e beneficia com os saberes e os costumes dos outros povos. Somos camaleónicos e o nosso passado de navegadores, já com mais 500 de História, povoando outras paragens é bem prova disso. Contudo nem todos os povos são assim... 

Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil.” Laurentino Gomes in “1808” 

Agora, como não “adorar” um autor brasileiro que, na capa de um dos seus “best sellers”, se dirija a um dos monarcas do meu país como um príncipe medroso”... Dom João VI que anos mais tarde virá a aconselhar a estratégia a seu filho, o Imperador Dom Pedro I, e que culminará na Declaração da Independência do Brasil, a 7 de Setembro de 1822. 

Mas, eu das obras de Laurentino Gomes já li “1808”, “1822”, “1889” e “Escravidão” volumes I e II, porque só gosto de criticar aquilo que conheço e a obra de Laurentino Gomes conheço-a muito bem. 

É petulante, é facciosa e é demagoga!  

Tenta constantemente branquear o papel que o Brasil teve ao longo da sua história com já 200 anos, particularmente, nessa página vergonhosa da sua existência que foi a escravidão e atirar a culpa dos seus fracassos para cima de terceiros! 

Importará, talvez, aqui recordar a Laurentino Gomes e a todos aqueles que pretendem demonizar Portugal como tendo sido o recordista do trafico negreiro, entre África e as Américas, que o auge desse horrível flagelo esclavagista terá acontecido entre os anos 1826 e 1850. 

Seguramente por lapso Laurentino Gomes ter-se-á esquecido de referir que, nessa altura, Portugal já não tinha quaisquer colónias nas Américas. Como é do conhecimento comum, o Brasil já se tornara independente, a 7 de Setembro de 1822, o que quer dizer que a maioria do tráfico de escravos foi feito por e para um novo país chamado Império do Brasil. Ou seja, não foi Portugal (sozinho) que escravizou e traficou 5,8 milhões de pessoas africanas. Muito menos foi Portugal (sozinho) que escravizou e traficou os 2,5 milhões de africanos que, no século XIX, atravessaram o Atlântico em direção ao Rio de Janeiro, a Pernambuco e a Salvador.

Foram sim Portugal, o Brasil e muitos reinos africanos, que já tinham escravizado aquelas pobres pessoas antes de as venderem para a costa e, daí, para os porões dos navios negreiros. Não vamos agora branquear a história só por que nos convém. Tentemos ser minimamente coerentes! Dir-se-á que boa parte do tráfico de escravos realizado, entre 1826 e 1850, foi levado a cabo por negreiros portugueses residentes em cidades brasileiras, homens como José Bernardino de Sá, Tomás da Costa Ramos, Manuel Pinto da Fonseca e vários outros e que, num determinado período, entre os anos 1830 e 1840, esse tráfico foi em larga medida feito sob a proteção da bandeira portuguesa, que se obtinha no consulado português no Rio de Janeiro, por meios ilícitos e fraudulentos. 

Ainda que tal não encaixe bem no discurso predominante da doutrina 'woke' que domina hoje o Brasil, a verdade é que foi assim!

Valerá talvez a pena aqui transcrever um breve trecho do livro de David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade: 

"No início de 1859, vários marítimos espanhóis e portugueses viajaram de comboio, de Londres a Hartlepool, um porto na costa nordeste inglesa, para aí receberem e tripularem o Wilhemina, um recém-construído navio a vapor. Navegaram nele até Cádis e daí até à costa ocidental africana, onde adquiriram um carregamento de escravos que, depois, desembarcaram em Cuba. Nos quatro anos seguintes, este e outros vapores de construção inglesa fizeram várias viagens negreiras. Muitos desses navios eram propriedade de uma sociedade por ações com sede em Cuba e acionistas de várias nacionalidades. Tinha uma rede de agentes que ia de Nova Iorque a Quelimane. Os escravos levados para Cuba eram vendidos a produtores de açúcar que já utilizavam a mais sofisticada maquinaria de construção britânica, e o açúcar que produziam era vendido para os países mais
desenvolvidos”. 

Ou seja, no século XIX o tráfico transatlântico de escravos foi uma actividade multinacional, ligada a uma economia global e que se servia de tudo o que de mais moderno havia no mundo de então.

E o que dizer então da promulgação da Lei Áurea, oficialmente Lei n.º 3.353 de 13 de maio de 1888, que extinguiu oficialmente a escravatura, tornando o Brasil o último país independente da América Latina e do Ocidente a abolir completamente a escravatura, 66 anos após a sua independência? 

Portanto, houve culpas sim! Mas de todos, repartidas entre os colonizadores portugueses, os colonizados brasileiros e também os esclavagistas africanos que vendiam os seus próprios irmãos aos traficantes negreiros brancos! 

Mais, pelos padrões actuais civilizacionais, podemos adjetivar (no mínimo) como bárbara a forma como os portugueses executaram, a 21 de Abril de 1792, no Rio de Janeiro, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, que ficou famoso por ter sido um dos líderes da Inconfidência Mineira, movimento que lutava pela independência da então Colónia e que, entretanto, se veio a tornar no Patrono Cívico do Brasil e que foi (para ser muitíssimo brando) absolutamente atroz segundo quaisquer cânones. O que agora ninguém diz é que, à data da sua morte, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier era também proprietário de escravos... uma realidade incomoda que, hoje, todo o brasileiro parece querer esquecer! 

O passado é um lugar de referência, não um lugar de residência; o passado é um lugar de aprendizagem, não um lugar para se viver”. Ensinava e muito bem Roy T. Bennet 

É aquela coerência selectiva que eu tanto aprecio na esquerda brasileira: 

Os bandeirantes eram genocidas porque, nos séculos XVI e XVII, exterminaram "deliberadamente" os indígenas e os negros motivados por diferenças étnicas; já o sacrifício humano em massa na América pré-colombiana de tribos inimigas era "aceitável" porque se inseria numa prática religiosa realizada num contexto de certos cultos praticados pelos povos indígenas; 

O colonizador português, até á independência, ocupou abusivamente o território brasileiro e matou as populações indígenas "exclusivamente" motivado por motivos ignóbeis, tais como racismo e cobiça; já, hoje, as altas taxas de criminalidade que ocorrem no Brasil justificam-se numa conjuntura de uma sociedade em conflito devido aos interesses antagónicos entre classes, por causa da distribuição do rendimento distribuído ser assimétrica e das classes oprimidas se debaterem com um Estado que montou uma estrutura repressiva para defender o grande capital; 

A nova esquerda latino-americana tem que lutar pela democracia e por uma sociedade melhor; mas quando citam Noam Chomsky e ele diz precisamente o contrário, é bom e tem sempre que se contextualizar (mesmo quando ele defende o terrorismo), uma vez que é apoiante de Lula 22. 

Agora, quando esta nova “visão” retrata os descobrimentos realizados pelos navegadores portugueses não como o que habitualmente se designava por “descobrimentos”, mas sim por “conquista”, “chacina” e “ocupação estrangeira”, (o que eu não aceito), dizendo que Pedro Alvares Cabral “invadiu e conquistou” para os portugueses o território que hoje constituiu o Brasil, mas que então legitimamente continua a pertencer aos povos indígenas (dai a expressão “roubaram o nosso ouro”. Contudo, com o "Grito do Ipiranga" e a chegada dos novos emigrantes de origem polaca, alemã, libanesa, nipónica, italiana, etc, o crime original (a invasão e ocupação de território indígena)... não está sanado!

Tanto quanto é do meu conhecimento nenhum emigrante pós-independência teve carta de chamamento emitida pelos povos indígenas (que continuam, nesse caso, sendo os legítimos titulares do território brasileiro), assim os antepassados de um qualquer Emerson Fittipaldi, Michel Temer, Dilma Rouseff, Gisele Bündchen ou Jair Bolsonaro quando foram para o Brasil também invadiram território alheio. Os meus tetravós tenho a certeza de que não receberam convite algum de nenhum povo indígena para emigrarem para o Estado do Rio de Janeiro.

Com esta linha de pensamento levada a cabo pelos povos indígenas e que se justifica face à nova posição da sociedade brasileira coloca um novo problema: O princípio à autodeterminação dos povos.

Mas porque é um problema? Vejamos, o princípio da autodeterminação dos povos foi um dos baluartes das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Sendo ainda um dos princípios anteriores à Organização das Nações Unidas, tendo sido logo definido como princípio basilar de Carta do Atlântico ratificada entre o Reino Unido e os Estados Unidos da América em 1941.

Como definição o princípio à autodeterminação dos povos é o princípio que garante a um povo o direito de se autogovernar, realizando as suas escolhas sem intervenção externa, exercendo soberanamente o direito de determinar o próprio estatuto político. Em outras palavras, é o direito que um povo tem de escolher como será legitimado o direito interno sem influência de qualquer outro país ou comunidade.

É este ponto que merece relevância neste contexto. Ao ser admitido que houve uma ocupação por parte de Portugal de todo o território brasileiro e que este pertencia de forma integral aos povos indígenas brasileiros, não será de todo descabida a discussão sobre a aplicação deste princípio às tribos Indígenas do Brasil. Especialmente quando consideramos que esta questão já foi discutida noutros casos – nomeadamente no polémico caso do povo Saaruí que habita a região do Saara Ocidental. Principalmente quando existe uma linha política do Estado em que este reconhece que, desde 1500, o que aconteceu foi uma política de ocupação de todo o território brasileiro. Ocupação que conforme é sugerido foi levada a cabo, em primeira instância, pelos portugueses e num segundo momento pelos governos brasileiros que se seguiram e que em momento algum reconheceram o direito dos povos Indígenas ao território brasileiro.

Logo, o 7 de Setembro de 1822, data da independência do Brasil, nesta perspectiva de ocupação ilegítima de territórios indígenas, passa a não ter relevância política alguma!

Esta linha de pensamento que pretende reescrever a história parece que poderá se revelar um problema para, num futuro (muito) próximo, os governos brasileiros terem de resolver situações algo complexas.

Termino lamentando o facto de, como luso-brasileiro e apesar de também me chamar Manuel, não sou padeiro, mas aprendi a ler e a escrever (mal é certo) e ganhei o hábito de pensar um pouco... ora pois!