ELEMENTARY, MY DEAR WATSON

Hoje prometo ser sucinto até porque infelizmente não há muito para dizer...

O Instituto Nacional de Estatística divulgou que, em 2022, quase um quinto da população pobre, 19,4% dos cerca de 1,7 milhões de indivíduos analisados, destinava mais de 40% do seu rendimento anual disponível ao pagamento de rendas, juros de linhas de crédito contraídas, pagamento de contas da água, luz, gás e de outros gastos com a casa. Em suma sobra-lhes muito pouco para “viver” porque aquilo que fazem é meramente sobreviver!

Já o universo da população portuguesa que vive abaixo do limiar da pobreza e enfrenta a sobrecarga das despesas com a habitação, actualmente atinge perto de 330k pessoas e a tendência, lamentavelmente, tenderá a aumentar...

Eu lembro-me de, em 2021, ter lido um estudo do Banco Central Europeu que dava conta que em Portugal 74% dos portugueses tinha casa própria, o que não só conta para efeitos da inflação e dos juros do BCE, mas como inviabiliza o mercado de arrendamento. Só a Roménia nos supera, liderando o ranking, com 96% da sua população a ser proprietária da casa onde vive.

Já na Alemanha, metade das pessoas vive em casas que adquiriu e a outra metade em habitações arrendadas.

Seguramente por incapacidade minha, nunca entendi o que leva as pessoas a endividarem-se para o resto das suas vidas, ficarem a dever por 30 anos (em média) dinheiro aos bancos, privando-se de viajarem, de terem um bom nível de vida em suma, mas mais importante de adaptarem o local de residência às suas necessidades: hoje vivo aqui, amanhã mudo-me para ali, hoje preciso duma casa pequena, amanhã mudo-me para uma maior...

Tudo, porque há um preconceito “marxista-leninista” assente na luta de classes contra essa figura dos tais “senhorios”... os que querem ganhar dinheiro cedendo os imóveis de sua propriedade a troco de vil pecunio. Imagine-se só o disparate... onde já se viu tamanha afronta!?

O problema, para mim, reside no facto da Constituição da República Portuguesa afirmar no seu artigo 65º nº1. Que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade (...)"... só que não diz que tem de ser à custa da iniciativa privada e substituindo-se a uma função do Estado Social.

Torna-se mais fácil pagar indemnizações a Administradores da TAP ou andar a fazer estudos e projectos durante quarenta (40) anos para a localização do novo aeroporto de Lisboa do que resolver, de uma vez por todas, o mercado de locação social (sem recurso aos tão famigerados subsídios) em Portugal.

Também havia, até aqui, uma perceção (errada quanto a mim) que “entre pagar ao banco ou ao senhorio, prefiro pagar ao banco e no final a casa fica para mim”... pelo menos era assim, que que a maioria dos portugueses raciocinava quando as taxas de juro estavam baixas e que levou à situação em que hoje nos encontramos.

Logo, é muito melhor, aparentemente, para a maioria dos portugueses ficar “nas mãos” da banca e amortizar (sabe Deus com que sacrifício) um crédito à compra de habitação própria, com garantia hipotecária e com uma taxa de juro indexada à Euribor, a qual sendo um indexante variável, as oscilações acontecem naturalmente, e esse pensamento deve estar sempre na cabeça de quem fez um crédito à habitação de taxa variável. Pela simples razão de que um contrato de mútuo com hipoteca dura, em média, 30 anos. Não é crível, de todo, e nem a história o prova, que a Euribor não tenha várias vidas ao longo desse tempo. Por isso, após um período de taxas de juro negativas, desde o início de 2022, começou um movimento de forte subida.

Em conclusão, quando quer vender as casas (a menos que sejam “prime locations”) nunca se recupera o investimento feito, ou seja, o capital mais os juros que se pagou.

Elementary, my dear Watson!